Sabe uma coisa, Jorge?
Já não me interessa a angústia por que passámos durante o nosso caminho.
Interessa-me lá recordar as nossas algumas discussões, a diferença de pontos de vista, as formas de estar divergentes, o pouco tempo que estávamos juntos porque, entre gestão, consultas, cirurgias e filhos, não tinha disponibilidade.
Lembro a sintonia, a cumplicidade profunda que bastava um olhar, as gargalhadas, as conversas sem fim, as centenas de sms, as palavras inventadas, a necessidade de estarmos de mãos dadas ou de braços encostados porque o toque ainda nos aproximava mais.
Estávamos condenados à separação. Não havia outra escolha, outra direcção a tomar. No início, não percebeu por que fui, e eu não percebi por que me deixou ir.
A mágoa tomou outro rumo. Compreendi-o quando, meses depois, me apeteceu telefonar-lhe e a nossa conversa foi leve, sorridente, plena e cheia de amizade. Fiquei em paz.
Quando nos encontramos, em palestras ou congressos, caímos um no outro num abraço só nosso. Esteja quem estiver à nossa volta. Conhecido como um sedutor, com fama e proveito, as pessoas provavelmente pensarão que fui mais uma das suas pombinhas. Tão enganadas... Fomos muito mais: homem e mulher, duas crianças, cujas almas se tocaram num amor platónico.
A ternura inexplicável que sentimos afoga-nos de alegria quando nos vemos.
(Apenas senti esta doçura com o meu ex-marido, um ano depois de termos terminado o casamento. Foram necessários quase sete anos para perceber que era um sentimento só de ida. Deixei-o partir e, quando nos encontramos, parecemos somente colegas sem passado comum.)
Não se lembra do meu aniversário. É normal. Mas nunca se esquece de mim em datas assinaladas.
Não consigo, não consigo mesmo explicar o que sinto quando demonstra a sua presença e preocupação e oferta de ajuda quando sabe (ou lhe dizem) que não estou bem. Aconteceu em várias alturas. Mas a que mais me deixou em lágrimas interiores foi o seu telefonema quando saí da ARS. Não perguntou nada. Mas pôs-se à minha total disposição, com companheirismo e afeição.
Quantas vezes sinto que não aguento mais? Conheci e conheço tanto logro… Provoca-me uma decepção e tristeza que me oprimem. Consigo foi ao contrário e caso raro. Primeiro conheci o seu lado lunar, depois, muito mais tarde, o aspecto solar.
Nestes momentos, nestas alturas em que me sinto naufragar, agarro-me a si e a boas memórias para continuar a rir e a sobreviver.
Acredito na imortalidade, Jorge. Não apenas na vida após a morte. Mas também na dos sentimentos. Uma crença partilhada por si. Os dois temos a certeza de que este carinho nunca terá fim.
Se a ordem natural das coisas suceder, garanto-lhe o meu desejo de que, no limbo ou seja onde for, num lugar qualquer sem tempo nem espaço, me dê a sua mão e me acolha com o seu sorriso.
Levarei toda a minha meiguice estrelar para lhe oferecer.