sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O último cigarro…

O último cigarro do dia é saboreado à janela do meu quarto.

A obstruir a linha do horizonte, vários prédios baixos e uma igreja sofrida – o terramoto de 1755 só não venceu a capela-mor, o arco do cruzeiro e parte das paredes do corpo principal.

Deito-lhe sempre um olhar carinhoso. Foi nela que me quis casar.

Monumento nacional a provar que os “80-60-80” só são medida ideal para os que não sabem ver.

Vénus, o planeta feminino, coquete e apressado, expõe-se para ser admirado.

Apenas uma ou duas estrelas. Em caso de sorte ou de boa vontade, cerca de meia dúzia.

Por vezes, a Lua ainda se encontra daquele lado. Quero-a Cheia. Fascina-me e apetece-me tocá-la.

The Man of the Moon, meio triste, meio amuado, meio amargurado, faz-me lembrar uma personagem masculina animada de Tim Burton. Observo-a até me doerem os olhos e, invariavelmente, sorrio. Deslumbrante e misteriosa.

É o meu momento de reflexão após dia de trabalho intenso, de preocupações constantes e de decisões numa área transversal a qualquer hospital.

Memórias, revisões, dúvidas, respostas ou assim-assim. Alturas há em que consigo afastar pensamentos e a tensão vai-me abandonando aos poucos. Tão mais perto do que sou. Há alguém que consiga serenar-nos mais do que nós próprios?

Embora morando em Lisboa, o local é calmo. Cheiro e alago-me de silêncio nocturno.

Já entraram e saíram tantas conversas em mim e de mim que estou esgotada delas. Não podendo libertar-me aguardo, expectante, pela hora da quietude.

Passo para a cama e para outras histórias, lidas e saboreadas. Não quero interrupções - só me descontinuam e fragmentam.

Sei que amanhã é outro dia de abismos inesperados e ruidosos.

Interlúdio...



Damien Rice

Leave me out with the waste
This is not what I do
It's the wrong kind of place
To be thinking of you

It's the wrong time
For somebody new
It's a small crime
And I got no excuse

And is that alright? Yeah
Give my gun away when it's loaded
That alright? Yeah
If you don't shoot it how am I supposed to hold it?

That alright? Yeah
Give my gun away when it's loaded
That alright? Yeah, with you?

Leave me out with the waste
This is not what I do
It's the wrong kind of place
To be cheating on you

It's the wrong time
She's pulling me through
It's a small crime
And I got no excuse

And is that alright? Yeah
To give my gun away when it's loaded
(Is that alright with you?)
Is that alright? Yeah
If you don't shoot it how am I supposed to hold it?
(Is that alright with you?)

Is that alright? Yeah
If I give my gun away when it's loaded
(Is that alright with you?)
Is that alright
Is that alright with you?

That alright? Yeah
If I give my gun away when it's loaded
(Is that alright with you?)
Is that alright? Yeah
You don't shoot it how am I supposed to hold it?
(Is that alright with you?)

Is that alright? Yeah
If I give my gun away when it's loaded
(Is that alright with you?)
Is that alright
Is that alright with you?

And is that alright? Yeah
(To give my gun away when it's loaded)
Is that alright? Yeah
(You don't shoot it how am I supposed to hold it?)

Is that alright? Yeah
(To give my gun away when it's loaded)
Is that alright? Is that alright?
Is that alright with you? No

A a A


Sem nenhum tropeço, posso escrever o que quiser sem ele, pois rico é o português e fértil em recursos diversos, tudo permitindo, mesmo o que de início, e somente de início, se pode ter como impossível. Pode dizer-se tudo com sentido completo, como se isto fosse um mero ovo de Colombo.

Desde que se tente sem se ser inibido, pode muito bem o leitor empreender este belo exercício, dentro do nosso fecundo e peregrino dizer português, puríssimo instrumento dos nossos melhores escritores e mestres do verso, instrumento que nos legou monumentos dignos de eterno e honroso reconhecimento. Trechos difíceis resolvem-se com sinónimos. Observe-se bem: é certo que, querendo-se, esgrime-se sem limites com este divertimento instrutivo.

Brinque-se mesmo com tudo. É um belíssimo desporto do intelecto, pois escrevemos o que quisermos sem o "E" ou sem o "I" ou sem o "O" e, conforme o meu desejo exclusivo, escolherei outro, discorrendo livremente, por exemplo, sem o "P", "R" ou "F", ou o que quiser escolher. Podemos, em estilo corrente, repetir sempre um som ou mesmo escrever sem verbos.

Com o concurso de termos escolhidos, isto pode ir longe, escrevendo-se todo um discurso, um conto ou um livro inteiro sobre o que o leitor melhor preferir. Porém, mesmo sem o uso pernóstico dos termos difíceis, muito e muito se prossegue do mesmo modo, discorrendo sobre o objecto escolhido, sem impedimentos. Deploro sempre ver moços deste século inconscientemente esquecerem e oprimirem o nosso português, hoje culto e belo, querendo substituí-lo pelo inglês. Porquê?

Cultivemos o nosso polifónico e fecundo verbo, doce e melodioso, porém incisivo e forte, messe de luminosos estilos, voz de muitos povos, escrínio de belos versos e de imenso porte, ninho de cisnes e de condores.

Honremos o que é nosso, ó moços estudiosos, escritores e professores.

Honremos o digníssimo modo de dizer que nos legou um povo humilde, porém viril e cheio de sentimentos estéticos, pugilo de heróis e de nobres descobridores de mundos novos.

(Desconhecemos o autor que, magistralmente, escreveu este texto sem um único 'a')