sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A a A


Sem nenhum tropeço, posso escrever o que quiser sem ele, pois rico é o português e fértil em recursos diversos, tudo permitindo, mesmo o que de início, e somente de início, se pode ter como impossível. Pode dizer-se tudo com sentido completo, como se isto fosse um mero ovo de Colombo.

Desde que se tente sem se ser inibido, pode muito bem o leitor empreender este belo exercício, dentro do nosso fecundo e peregrino dizer português, puríssimo instrumento dos nossos melhores escritores e mestres do verso, instrumento que nos legou monumentos dignos de eterno e honroso reconhecimento. Trechos difíceis resolvem-se com sinónimos. Observe-se bem: é certo que, querendo-se, esgrime-se sem limites com este divertimento instrutivo.

Brinque-se mesmo com tudo. É um belíssimo desporto do intelecto, pois escrevemos o que quisermos sem o "E" ou sem o "I" ou sem o "O" e, conforme o meu desejo exclusivo, escolherei outro, discorrendo livremente, por exemplo, sem o "P", "R" ou "F", ou o que quiser escolher. Podemos, em estilo corrente, repetir sempre um som ou mesmo escrever sem verbos.

Com o concurso de termos escolhidos, isto pode ir longe, escrevendo-se todo um discurso, um conto ou um livro inteiro sobre o que o leitor melhor preferir. Porém, mesmo sem o uso pernóstico dos termos difíceis, muito e muito se prossegue do mesmo modo, discorrendo sobre o objecto escolhido, sem impedimentos. Deploro sempre ver moços deste século inconscientemente esquecerem e oprimirem o nosso português, hoje culto e belo, querendo substituí-lo pelo inglês. Porquê?

Cultivemos o nosso polifónico e fecundo verbo, doce e melodioso, porém incisivo e forte, messe de luminosos estilos, voz de muitos povos, escrínio de belos versos e de imenso porte, ninho de cisnes e de condores.

Honremos o que é nosso, ó moços estudiosos, escritores e professores.

Honremos o digníssimo modo de dizer que nos legou um povo humilde, porém viril e cheio de sentimentos estéticos, pugilo de heróis e de nobres descobridores de mundos novos.

(Desconhecemos o autor que, magistralmente, escreveu este texto sem um único 'a')

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