terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Broncas

Broncas. É o seu nome.

Eu sei. É um nome já de si muito sui generis, e ainda mais para um pequeno anjo intemporal de quatro patas. Um autêntico boneco de peluche com a diferença de que respira, sente e pensa.

Sim… Acredito que os cães pensam. Assim como os gatos, os cavalos, as galinhas, os golfinhos, as melgas e, entre toda a parafernália de seres vivos existentes, por vezes também o ser humano.

Eu, que tanta importância dou às palavras e aos conceitos, passei a dar um novo significado à palavra ‘Broncas’. Para mim significa doçura, inocência, pureza, generosidade, traquinice, afecto, sobrevivência e bolas… Muitas bolas! Milhões de bolas coloridas e saltitonas como no anúncio de uma marca muito conceituada e conhecida.

O Broncas é um dos seres que nos dá o imenso privilégio de sermos a sua família e de nos brindar com todas as características que descrevi e outras mais.

Um cão com o que de melhor existe em cada cão mas também em cada um de nós. O eterno namorado e protector da Lady – outro anjo que veio ao nosso encontro.

Desde que me lembro de existir, sempre tive amigos e familiares de quatro patas – como costumo designá-los. Amo profundamente todos os animais – os meus e os dos outros – e nunca chorei tanto por nada nem por ninguém como chorei pelo Putchi. Mas, apesar de ser ‘filho’ da minha irmã, creio que nunca estabeleci uma ligação tão grande como a que acredito ter com o Broncas. Na verdade, acho que ele é tão especial que todos nós temos com ele uma ligação igualmente especial. E a quem é especial também lhe é concedida essa ligação. É um verdadeiro companheiro.

Por isso, resolvi fazer-lhe aqui, hoje, a minha homenagem.

Aos olhos ‘namoradeiros’ e eternamente doces, às suas brincadeiras e rebeldias, à sua gulodice, e à sua maravilhosa e eterna existência que é sempre uma bênção.

A ti, Broncas, o eterno cão de peluche que respira, sente e pensa.


sábado, 11 de dezembro de 2010

Interlúdio...

Há palavras que são tão simples mas, ao mesmo tempo, tão cheias de grandiosidade quando conjugadas, que nos esquecemos de as proferir. 'Dá-me um abraço' constitui algo de tão profundo e imenso como o próprio acto em si.

Deixamos aqui uma música que consideramos representar, magistralmente, as potencialidades de um gesto singelo mas que chega a ser milagroso.



Dá-me um abraço que seja forte
E me conforte a cada canto
Não digas nada que o nada é tanto
E eu não me importo

Dá-me um abraço fica por perto
Neste aperto tão pouco espaço
Não quero mais nada, só o silêncio
Do teu abraço

Já me perdi sem rumo certo
Já me venci pelo cansaço
E estando longe, estive tão perto
Do teu abraço

Dá-me um abraço que me desperte
E me aperte sem me apertar
Que eu já estou perto abre os teus braços
Quando eu chegar

É nesse abraço que eu descanso
Esse espaço que me sossega
E quando possas dá-me outro abraço
Só um não chega

Já me perdi sem rumo certo
Já me venci pelo cansaço
E estando longe, estive tão perto
Do teu abraço

Já me perdi sem rumo certo
Já me venci pelo cansaço
E estando longe, estive tão perto
Do teu abraço

E estando longe, estive tão perto
Do teu abraço

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Chuva sem água...

Recriação sonora genial de uma das bençãos da mãe Natureza: a chuva!



Arte com farinha

Nos tempos que correm, já vai sendo difícil encontrarmos contributos do que de melhor somos capazes de fazer a todos os níveis. Hoje deixamo-vos dois belos exemplos.

Começamos com este que, publicidade à parte, é uma súmula de desenho artístico feito na e com farinha. Desfrutem!



sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O último cigarro…

O último cigarro do dia é saboreado à janela do meu quarto.

A obstruir a linha do horizonte, vários prédios baixos e uma igreja sofrida – o terramoto de 1755 só não venceu a capela-mor, o arco do cruzeiro e parte das paredes do corpo principal.

Deito-lhe sempre um olhar carinhoso. Foi nela que me quis casar.

Monumento nacional a provar que os “80-60-80” só são medida ideal para os que não sabem ver.

Vénus, o planeta feminino, coquete e apressado, expõe-se para ser admirado.

Apenas uma ou duas estrelas. Em caso de sorte ou de boa vontade, cerca de meia dúzia.

Por vezes, a Lua ainda se encontra daquele lado. Quero-a Cheia. Fascina-me e apetece-me tocá-la.

The Man of the Moon, meio triste, meio amuado, meio amargurado, faz-me lembrar uma personagem masculina animada de Tim Burton. Observo-a até me doerem os olhos e, invariavelmente, sorrio. Deslumbrante e misteriosa.

É o meu momento de reflexão após dia de trabalho intenso, de preocupações constantes e de decisões numa área transversal a qualquer hospital.

Memórias, revisões, dúvidas, respostas ou assim-assim. Alturas há em que consigo afastar pensamentos e a tensão vai-me abandonando aos poucos. Tão mais perto do que sou. Há alguém que consiga serenar-nos mais do que nós próprios?

Embora morando em Lisboa, o local é calmo. Cheiro e alago-me de silêncio nocturno.

Já entraram e saíram tantas conversas em mim e de mim que estou esgotada delas. Não podendo libertar-me aguardo, expectante, pela hora da quietude.

Passo para a cama e para outras histórias, lidas e saboreadas. Não quero interrupções - só me descontinuam e fragmentam.

Sei que amanhã é outro dia de abismos inesperados e ruidosos.

Interlúdio...



Damien Rice

Leave me out with the waste
This is not what I do
It's the wrong kind of place
To be thinking of you

It's the wrong time
For somebody new
It's a small crime
And I got no excuse

And is that alright? Yeah
Give my gun away when it's loaded
That alright? Yeah
If you don't shoot it how am I supposed to hold it?

That alright? Yeah
Give my gun away when it's loaded
That alright? Yeah, with you?

Leave me out with the waste
This is not what I do
It's the wrong kind of place
To be cheating on you

It's the wrong time
She's pulling me through
It's a small crime
And I got no excuse

And is that alright? Yeah
To give my gun away when it's loaded
(Is that alright with you?)
Is that alright? Yeah
If you don't shoot it how am I supposed to hold it?
(Is that alright with you?)

Is that alright? Yeah
If I give my gun away when it's loaded
(Is that alright with you?)
Is that alright
Is that alright with you?

That alright? Yeah
If I give my gun away when it's loaded
(Is that alright with you?)
Is that alright? Yeah
You don't shoot it how am I supposed to hold it?
(Is that alright with you?)

Is that alright? Yeah
If I give my gun away when it's loaded
(Is that alright with you?)
Is that alright
Is that alright with you?

And is that alright? Yeah
(To give my gun away when it's loaded)
Is that alright? Yeah
(You don't shoot it how am I supposed to hold it?)

Is that alright? Yeah
(To give my gun away when it's loaded)
Is that alright? Is that alright?
Is that alright with you? No

A a A


Sem nenhum tropeço, posso escrever o que quiser sem ele, pois rico é o português e fértil em recursos diversos, tudo permitindo, mesmo o que de início, e somente de início, se pode ter como impossível. Pode dizer-se tudo com sentido completo, como se isto fosse um mero ovo de Colombo.

Desde que se tente sem se ser inibido, pode muito bem o leitor empreender este belo exercício, dentro do nosso fecundo e peregrino dizer português, puríssimo instrumento dos nossos melhores escritores e mestres do verso, instrumento que nos legou monumentos dignos de eterno e honroso reconhecimento. Trechos difíceis resolvem-se com sinónimos. Observe-se bem: é certo que, querendo-se, esgrime-se sem limites com este divertimento instrutivo.

Brinque-se mesmo com tudo. É um belíssimo desporto do intelecto, pois escrevemos o que quisermos sem o "E" ou sem o "I" ou sem o "O" e, conforme o meu desejo exclusivo, escolherei outro, discorrendo livremente, por exemplo, sem o "P", "R" ou "F", ou o que quiser escolher. Podemos, em estilo corrente, repetir sempre um som ou mesmo escrever sem verbos.

Com o concurso de termos escolhidos, isto pode ir longe, escrevendo-se todo um discurso, um conto ou um livro inteiro sobre o que o leitor melhor preferir. Porém, mesmo sem o uso pernóstico dos termos difíceis, muito e muito se prossegue do mesmo modo, discorrendo sobre o objecto escolhido, sem impedimentos. Deploro sempre ver moços deste século inconscientemente esquecerem e oprimirem o nosso português, hoje culto e belo, querendo substituí-lo pelo inglês. Porquê?

Cultivemos o nosso polifónico e fecundo verbo, doce e melodioso, porém incisivo e forte, messe de luminosos estilos, voz de muitos povos, escrínio de belos versos e de imenso porte, ninho de cisnes e de condores.

Honremos o que é nosso, ó moços estudiosos, escritores e professores.

Honremos o digníssimo modo de dizer que nos legou um povo humilde, porém viril e cheio de sentimentos estéticos, pugilo de heróis e de nobres descobridores de mundos novos.

(Desconhecemos o autor que, magistralmente, escreveu este texto sem um único 'a')

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Interlúdio...








Nota da redacção

Aos nossos (eventuais) leitores devemos uma explicação.

As Boiadeiras estão em fase de recolhimento (quase) absoluto. Voltaremos em breve, quando o tempo e a disponibilidade física e mental, nos permitirem.

Até lá, vamos tentar colocar músicas e vídeos.

Obrigada!

Aos que continuarem a persistir em ler este blogue, ainda que menos assiduamente e ao nosso ritmo, o nosso muito obrigada e até já!

sábado, 2 de outubro de 2010

Arte e Palavras Soltas



Reencontrámo-nos de modo contemporâneo. Forma remota, incorpórea, mas, por vezes, a única possível para apaziguar corações, sentimentos, prantos feitos risos, saudades encobertas.

Emails curtos, com poucas palavras, muito carinho e bastante sensualidade.

Neste longo interregno houve dois amores. Um, inexplicável, improvável e dispensável, mas profundo e desinteressado porque foi sempre esta a minha forma de amar. Outro, feliz enquanto durou, diferente, singular, adulto, completo.

Há pessoas que se nos colam pelo que são. Por mais longa a distância, o silêncio, o não saber, permanecem e carregamo-las no nosso sangue, órgãos e memória como parte de nós. A saudade deixa de doer como no passado, as interrogações desvanecem-se, as expectativas dissolvem-se, mas quando a lembrança vem, sorrimos para o vazio, o olhar pacifica-se, a alma envolve-se de líquido de ventre materno e sentimo-nos gratos, porque embora raro, há espíritos que se harmonizam e o elo, inicialmente criado e fortalecido, nunca se desfaz por mais que o caminho não tenha sido o que desejámos.

Aguardo.

Espero o movimento seguinte enquanto recebo as palavras que ninguém me disse desta forma terna, honesta e generosa.

O passado interpõe-se e recuso, por mim própria, percorrer o trilho já conhecido.

E só surge uma questão.

A aproximação final será o momento da partida?


terça-feira, 28 de setembro de 2010

Arte e palavras soltas

Título: Protea Rainha


Admito. Não gosto que me ofereçam flores.

Reconheço, claro, a elegância e a amabilidade do gesto.

Mas, maravilhosas quando passam de mãos, vejo-as entristecer na jarra, sucumbir e acabar no caixote do lixo, seu último destino a olho vivo.

De modo geral, dou-me mal com a efemeridade.

Da janela do meu gabinete, esquecendo os carros, deixo-me extasiar com as árvores, a relva aparada e rosas de variadas cores – uma sorte rara.

Plantadas e cuidadas, a sua existência é, muitas vezes, mais breve do que gostaríamos. Mas vivem os ciclos para que nasceram.

Esta protea rainha que roubei, perpetuada pela sensibilidade e pelo engenho do fotógrafo, é, para mim, como os amores do Vinícius.

Que não seja imortal, posto que é chama, mas infinita enquanto dure.


(Damos hoje início a uma nova rubrica com o título "Arte e palavras soltas" - conjunto de recordações/sensações/opiniões que algumas fotografias nos despertam. Jorge Branco, fotógrafo amador, já que a sua actividade principal nada tem a ver com esta área, deu-nos autorização para editarmos o seu trabalho. Apaixonadas pelas diversas vertentes artísticas, agradecemos-lhe este gesto de amizade, que contribui para os nossos objectivos de criação virtual e enobrece o Reticências...)


Palavras do Dia (em atraso)

Começou por gaguejar.

- He… Ah… Ããã… Que… Po… Hei… He… Hum…

Mas conseguiu orientar-se.

- Que opróbrio, Jesus Moisés, isto é a abjecção extrema, uma afronta gravíssima que vai ser a desonra pública da nossa família.

- Mas, Pai…

- Qual Pai nem meio Pai. Ainda sou capaz de te dar uma trepa que ficas com a retangueira em sangue. Tens uma retaguarda

- Quêêê?

- Não te faças de parvo, Jesus Moisés. Nádegas, nádegas excelentes para levares com a chibata. Tu, que és um campeão, um macho, completamente néctico, leve a ponto de sobrenadares na água, capaz de pagaiar como ninguém… Diz-me, diz-me quem é que faz canoagem desportiva como tu, e quem é capaz de usar aquele remo curto, com pás largas de cada lado no teu caiaque.

- Oh, Pai, pare lá com isso!

- Vais ter que me ouvir, meu menino. Atravessas rios apenas com o quodore no bucho, um desjejum pequeno ou apenas café fraco e agora vens-me com essas imundícies. Arre que é demais!

- Bolas, Pai…

- Nada de faltas de educação, ouviste? Não te admito, Jesus Moisés. E, logo agora, que ias usucapir

- Ia o quê?

- Adquirir a nossa propriedade, em Avatar de Cima, por usucapião. Olvida! Ol…vi…da mesmo! Só se for no Inferno. Para ti, só trabalho de volentim porque apenas sabes andar na corda bamba. Acabaram-se as mordomias. Lacaio é o que vais ser.

Jesus Moisés agastou-se e, chiando, foi a vez de deter a verbosidade do Pai.

- Caragos, Pai! Até parece que lhe disse que namorava com um homem ou que tinha engravidado cinco amigas…

- Pior, Jesus Moisés, muito pior, seu grandessíssimo ordinário.

- Desvairou? Eu só lhe disse que vou assistir a “Sexo? Sim, mas com orgasmo”.

Paff. Uma bolachada crepitou-lhe na face.

- Ma… Ma… - balbuciou Jesus Moisés.

- Sebento e obsceno! Não te expliquei já que orgasmo é aquela sopa fria que se serve nos banquetes gourmetes? Porcalhão d’um raio!


sábado, 18 de setembro de 2010

Obrigada, Mãe!

Obrigada, querida Mãe, pelo presente!

Eu também tenho uma Amiga, ora!

PARABÉNS, Ponto de Interrogação!

Sinto-o desde sempre. Mas só há uns anos percebi que é, particularmente, na relação com o outro que nos vemos, nos vamos conhecendo e crescendo.

Acontece na vida social, profissional e, por maioria de razão, na amizade.

Eu e o Ponto de Interrogação trabalhámos na mesma empresa, em serviços diferentes. Ao contrário de mim, passava a vida de cara fechada, isolava-se, intimidava e afastava. Como me dou mal com a agressividade, foi com apreensão que me dirigi a ela, há cerca de seis anos, pedindo-lhe colaboração num trabalho. Surpresa – o contacto foi muito fácil e agradável, olhos curiosos, atentos e afáveis, voz doce, perguntas sem fim. Profissional até aos ossos.

Começámos a conviver e a conversar. Vi as inúmeras competências dela. Fizemos as diligências necessárias e veio trabalhar comigo.

Fui convidada para ir para outra organização. Um ano depois enviou o curriculum, dei parecer positivo, foi despachado favoravelmente e passou a ser a minha colaboradora dilecta durante dois anos.

Já tínhamos percorrido a parte do percurso mais difícil. Grande diferença de idades, estadios desiguais, formas de ser, necessidades, objectivos e vivências distintas. Nunca calei. Disse sempre o que sentia, o que não gostava no comportamento dela, o que pensava sobre as atitudes. Sei que, muitas vezes, embora de maneira aparentemente calma, fui cruel. Passámos por experiências que me fariam afastar de qualquer outra pessoa. A persistência e a humildade dela não me deixaram abrir os braços e tirá-la da minha vida.

Foi o meu suporte, a minha sombra, a presença que estava sempre, com uma palavra e gesto de força, com o grito contra a injustiça e perseguição de que eu e o serviço éramos alvos.

A cumplicidade fazia com que uma começasse uma frase e a outra terminasse. O trabalho ficava do nosso agrado. Embora ninguém tivesse capacidade para entender, nele estava impresso, quando a exaustão se instalava, a nossa aptidão para pular os limites do convencionalismo. Estavam registados, a tinta invisível, as nossas brincadeiras, trocadilhos e gargalhadas que nos faziam cair lágrimas de boa disposição. Não esquecemos o divertimento, por mais horas seguidas que demorasse o nosso empenho.

Seguimos caminhos diferentes. Embora pertencendo à mesma instituição, estamos geograficamente afastadas. Mas qualquer pretexto serve para estarmos juntas. Vem ter comigo, manhã cedo, e, com o carro dela ou com o meu, sou a primeira passageira a sair. Almoçamos juntas no meu gabinete. E as noites de sexta-feira são “horas de má vida”, como dizemos aos nossos progenitores.

Ao contrário do Ponto…, tenho mais duas grandes amigas. Mas é ela, e só ela, que sabe os pormenores que ninguém conhece. E nesta necessidade de solidão só ela entra.

Tenho visto esta menina-mulher crescer, depurar-se, lutar contra fantasmas e medos, reflectir até ao esgotamento.

Conversamos horas infindáveis sem que alguém entenda o que tanto temos para falar. Nem nós. Perdemo-nos em reflexões, confidências, discussões pacíficas e risos. Silêncios partilhados, por vezes.

Agora, que a formiga já tem catarro que reconheço, ralha comigo, chama-me à atenção, dá-me conselhos e questiona opiniões.

É, frequentemente, o espelho em que me (não) vejo. Odeia a minha insegurança mas não se cansa de dizer, repetir, redizer, insistir, acreditando que a força das palavras tem mais peso do que o sentimento, as perdas, e os julgamentos desde criança.

Sem saber tem obtido fenómenos inesperados. Conseguiu que, ao fim de 20 anos, voltasse a escrever, ao criarmos este blogue, por ideia e insistência dela. Obriga-me e ajuda-me a reflectir. Baptizo-a com muitos nomes.”Milagrinho” é um deles.

Mas adjectivá-la não vale o que ela vale.

Inesperadamente, sem qualquer esforço ou esperança, adoptei a família dela como se fosse minha. Adoro também os Pais e a Irmã. Sinto-me à-vontade em algumas das casas que visito. Na dela sinto-me como se fosse o meu lar.

Hoje, a miúda-mulher que podia ser minha filha, completa a idade de Jesus Cristo. Faz a sua terceira capicua.

Desejo-lhe o que não tive: paz, amor e a extinção das assombrações.

É, de facto, um prodígio tê-la presente no meu caminho porque ela faz a diferença indiscutível na minha vida!

Parabéns pelos teus 33 anos! Evolui, Ponto…., sei que és capaz mas não abandones o meu caminho – és uma pedra preciosa que pouca gente reconhece. Este velho pirilampo dá-te (penso!) o devido valor e precisa das tuas inúmeras qualidades, porque me fazes, de novo, acreditar que a amizade é um bem construído com muito cuidado, bom senso, convicção, sensibilidade, descentração e carinho. E, também, porque são pessoas como tu que amenizam a zanga da natureza e trazem esperança a quem já não acredita no Homem.

Poderás sempre contar com a minha admiração e sentimento!



Quand on'a Que l'Amour

Jacques Brel


sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Palavras do Dia

Jeremiar e Kir

Olha, não gosto nada de ti. És, para mim, um pobre coitadinho. Pensar que existem mais seres humanos assim deixa-me perplexa. Para não me lastimar nem entrar em lamúrias, adoptei um método simples: começo a emborcar, desde logo de manhã, kirs, palavra francesa que representa uma bebida maravilhosa feita com vinho branco e licor de cássis. Quando estou mais abonada, vai um kirroyal: champanhe e licor de cássis.

Só não percebo porque é que chego ao fim do dia com dores de cabeça…

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Palavra do Dia

Inquerideira

- Oh sua besta venha cá p´ra lhe apertar a carga com uma corda.

- Uou, uou, uou. Põe-te mansa, pá. Vai mas é dar coices ao teu pai.

- Xico, o que é que se está a passar?

- É esta estúpida que não pára de dar pinotes. Olha, olha a gaja… agora quer morder-me. ‘Tá parva de todo. Cavalgadura d’um raio.

Gritando-lhe ao ouvido.

- Alimária lerda!!!!

- Xico…

Impaciente, atira com as palavras.

- O qu’é, pá?

- Tira o banco de palha da cabeça!

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Palavras do Dia (em atraso)

Ai ai Manéli ai ai

Na çei çe fassa çe diga çe pençe çe xóri, o noço menino naxeu i tu na venx, mau ditu Varaine ca ta lebou, á zaçeis mezes qe na çei de ti, a nha bidinha tá touda trucadinha.

Amustrarãome um mapa e tás tã prétinhu qe çe fouçe de çecleta xegaba em dês menutus mais çei lá çue Varaine é piqenu, a Chica diçe qeu tava douda pruqe pareçe qé munto más lomje qe no papeli, mais sé çim praquécá mapas?

Na dezes nada preqê Manéli? Tarás duente aí çem a tu Aurélinha Manéli? Tou munto munto procupada, favôri na me deiches nesta agunia óme. Ê bem çei qe çó çáves fazeri gajatos êçes raviscus de qem iscrebe mal mais calqer qoiza trota çerbe, bê lá tue çe o cajado todo arrecurbado na é útle?

Á munta tempo qe na tamando uma carta, bime e dezegeime, ê contute.

Xá çavia qia ter um menino, a Chica aconbeuçeume a ire a ma çenhôra qe fax halomancia, é ixtranhu sesenhor inté iscrbi pra na chqeceri, fax adebinhassão trabés do çal.

Pençei sé um pilas bai teri o noume de Manéli Aurélinhu, a nha mãi na qeria inmajina tu, tibémos açim camodos duma dezintelijênçia mas xá çabes cá uma deferenssa dopeniõis entras duas mais ateimei, ateimei e ficô Manéli Aurélinhu, ispero que çeja do tê grado, óme.

Bou contarte uma côsa que munto me fax duêre. O doutour diçe cue menino é coprófago ou merdívoro pôsé come o cocó dele, mais na tarrales qeu tanho fêto tudinhu pracacáve com esta pôca vregounha, tou a darlhe zerumbete çabes aqele jenjivre qe çabe munta male mas çempre debe seri melhózinhu ca caca.

O filhu do patraum o menino Aubertinhu tem çido munto çimpáticu, bisita-me todos dias e tratame munto beim, na tantu comue tue.

Áma cosa qe na precêbu é cuandu istu aqonteçe a nha barriga comessa a inxar, na sei sé do estromago se dos testinos.

A ber semescrebes, óme.

Pulinhus damor desta qé çempre tua

Aurélinha

Reflexão

Um mestre do Oriente viu um escorpião a afogar-se e decidiu tirá-lo da água. No entanto, quando o fez, o escorpião picou-o. Pela reação de dor, o mestre soltou-o e o animal caiu novamente na água começando, novamente, a afogar-se. O mestre repetiu a tentativa e o animal picou-o outra vez. Um transeunte, ao observar, aproximou-se do mestre e disse-lhe:

Desculpe-me a indiscrição, mas você é teimoso! Ainda não percebeu que sempre que tentar tirá-lo da água ele picá-lo-á?

A natureza do escorpião é picar, e isso não vai mudar a minha, que é ajudar.

Então, com o auxílio de uma folha, o mestre tirou o escorpião da água e salvou-lhe a vida, e continuou:

- Não mude a sua natureza se alguém lhe fizer algum mal; limite-se a tomar precauções.

Alguns perseguem a felicidade, outros criam-na.

Quando a vida te apresentar mil razões para chorar, mostra-lhe que tens mil e uma razões para sorrir.

Preocupa-te mais com a tua consciência do que com a tua reputação, porque a tua consciência é o que tu és, e a tua reputação é o que os outros pensam de ti...

E o que os outros pensam… é problema deles.

(Recebido por e-mail. Desconhecemos a autoria)

domingo, 12 de setembro de 2010

Interlúdio...

Deixamo-vos esta música que consideramos lindíssima. Como não existe, do que conhecemos, um vídeo em boas condições, fica este registo.


Mafalda Veiga e João Pedro Pais
Lado a lado

Há gente que espera de olhar vazio
na chuva, no frio, encostada ao mundo
a quem nada espanta nenhum gesto nem raiva ou protesto
nem que o sol se vá perdendo lá ao fundo

H
á restos de amor e de solidão
na pele, no chão, na rua inquieta
os dias são iguais j
á sem saudade, nem vontade
aprendendo a não querer mais do que o que resta

A sonhar de olhos abertos nas paragens, nos desertos
a esperar de olhos fechados sem imagens de outros lados
a sonhar de olhos abertos sem viagens e regressos
a esperar de olhos fechados outro dia lado a lado

Há gente nas ruas que adormece
que se esquece enquanto a noite vem
é gente que aprendeu que nada urge
nada surge porque os dias são viagens de ninguém

A sonhar de olhos abertos nas paragens, nos desertos
a esperar de olhos fechados sem imagens de outros lados
a sonhar de olhos abertos sem viagens e regressos
a esperar de olhos fechados outro dia lado a lado

Aprende-se a calar a dor,
a ternura, o rubor o que sobra de paixão
aprende-se a conter o gesto, a raiva, o protesto
e há um dia em que a alma nos rebenta nas mãos

A sonhar de olhos abertos nas paragens, nos desertos
a esperar de olhos fechados sem imagens de outros lados
a sonhar de olhos abertos sem viagens e regressos
a esperar de olhos fechados outro dia lado a lado...


A porta do cavalo


Sou extraordinariamente reflexiva. Começo a divagar pela mente e, na maior parte das vezes, deparo-me com encruzilhadas. Quando olho para trás, o caminho já é outro. Sinto-me perdida.

Para mim, a maior riqueza que o homem pode ter é o conhecimento. Mas o que e como fazer uso dele? Há quem diga que o transportamos nos genes. Que uma parte de cada um de nós carrega consigo os nossos antepassados e mais: a resposta à pergunta 'como, de onde e porque viemos?'

Eu acredito. Senão nesta, noutras teorias cuja génese é similar.

Por vezes não consigo deixar de pensar que a vida ou a nossa existência, tal como a conhecemos, é demasiado injusta e que, por outro lado, pouco fazemos por merecer as potencialidades que existem em cada um de nós. Somos extraordinariamente egoístas.

Acho que o ser humano é capaz dos actos mais atrozes que facilmente destronam a animalidade existente em qualquer outro ser alegadamente irracional, mas sou suficientemente crédula para me permitir pensar que, nos antípodas, somos capazes de sintonizar perfeitamente com a natureza inventando formas de estarmos mais próximos e, consequentemente, mais harmonizados. Qual é, então, o nosso problema?

Na minha opinião, é o facto de nascermos condicionados. Não que os outros seres não o estejam ou sejam, por razões naturais, mas aceitam-no sem qualquer tipo de evasivas. Dificilmente um cão se renega por ter menos uma pata. Aceita a circunstância e sobrevive de acordo com ela.

Nós somos condicionados a partir do momento em que nascemos. Ensinam-nos que a liberdade se conquista, assim como o respeito, o amor-próprio, a vida. Aquela que apenas a cada um de nós pertence. Mas colocam-nos, desde logo, uma série de requisitos que temos de cumprir criteriosa e exaustivamente. Quando damos por nós, já nos esquecemos que, em tempos, existimos, e de como éramos nessa altura.

No fundo, não estamos a crescer. Estamos apenas a aprender a amarrar-nos à ilusão de que, com um pouco de sorte, teremos uma vida fácil, com um companheiro que nos veja, oiça, com quem quereremos dividir a nossa existência numa vivência genuína e recíproca. Com isto, acabamos por condicionar o nosso estar com os outros.

Eu acho que o ser humano é sobrevalorizado, mas também subvalorizado. Não há meios termos.

Há tempos, dizia à minha melhor Amiga - a Vírgula - que, para mim, a vida é como uma moeda. Uma das faces representa o bom da vida. A outra, o mau mas que contribui, muitas vezes, para alcançar uma maior maturidade na forma como, de futuro, enfrentaremos situações semelhantes. Mas existe o meio termo. Sabem quando a moeda cai de pé no chão? Nem caras, nem coroas. Para mim, é o meio termo. É assim que vejo a vida.

Com tudo o que nos persegue, é difícil, senão quase impossível, encontrar um meio termo. Carregamos connosco múltiplas características que contribuem para uma espécie de auto-ostracismo. Tendemos a esconder-nos de nós próprios. Tudo, devido aos traumas, vivências e experiências que vamos colhendo silenciosamente e que, de forma ilusória, nos entram pela porta do cavalo, e se escondem minuciosamente à espera da deixa que as fará entrar em cena. Com alguma sorte, as deixas são substituídas por outras e as personagens vão mudando. Mas quando a solidão se instala, a insegurança toma conta de nós e a esperança parece nem conhecer-nos, dá vontade de pura e simplesmente, apagar a luz. Blackout total!

Considero-me uma pessoa humilde e suficientemente objectiva para o reconhecer. Não tenho problemas em pedir desculpa, quando percebo que errei. Ainda que mo façam ver. Magoa-me que, por vezes, esse acto não seja tido em conta. E não deixo de pensar se esse não será um padrão que todos nós repetimos uns entre outros à semelhança de outros acontecimentos nas nossas vidas e que podem marcar-nos de forma inconsciente mas terrivelmente condicionadora. Esses são, para mim, os subterfúgios da porta do cavalo que existe em cada um de nós. O problema, é que eles entram para dificilmente voltarem a sair.

Acredito na alquimia dos sentimentos e das emoções. Mas ainda não aprendi, nem sei se alguma vez o conseguirei. Para já, desejo que as minhas angústias, os meus medos, as impaciências que me assolam de quando em vez, entrem directamente pela porta da frente para eu poder indicar-lhes, diplomaticamente, a saída.

Há gente que amo demasiadamente, para correr o risco de me levar a cometer o acto extremo de lhes provar que, conhecerem-me e terem-me foi, de alguma forma, o pior que lhes aconteceu. Não quero voltar a senti-lo.

Por isso mesmo, e a partir de hoje, acabou-se a porta do cavalo. Agora, só quando me permitirem entrar em espectáculos sem pagar. Quem sabe se um dia não será um espectáculo só meu...

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Palavra do Dia

Alamar e Bonete

As mãos baralhavam-se acompanhando imprecações.

- Oh Mimi Vánessa, por favor... Trago-te eu p'ró Hotel da Penha Longa, vou gastar uma pipa de êrós, já comestes caviar e bebestes champanhe à minha custa, e agora nem a farpela te consigo tirar. Bolas qu'é galo...

- Pshiu, qu'é lá isso? Primeiro não me trata por tu. E fique sabendo que não é farpela mas sim um vestido carérrimo da Gata Rui da Prada. E isso que está a tentar desabotoar, desajeitadamente diga-se, é um alamar, enfeite árabe feito de cordão de requife ou de metal para guarnecer e abotoar a frente do meu fato. Olhe, e já agora, deixe que lhe pergunte: nunca ouviu falar em prelimin...

Interrompeu-a aos gritos.

- Eu sempre disse, caragos, sempre. Mulher deve ser muda e andar nua. Chiiiiiça!

- Ai quer entrar por aí, quer? Que cavalheiro é você que ainda nem sequer tirou o boné!? Boné! Santo Deus. Champanhe diz? Espumante, e do ordinário. Da Brândoa, provavelmente. Quanto ao caviar, sabia a ovas de pescada congelada. Está satisfeito ou precisa que lhe diga mais?

Boquiaberto, gaguejou.

- Han... Hummm... Heee... Mimi...

- Qual Mimi, qual carapuça. Aprenda a ser um senhor e depois apareça: talvez lhe dirija a palavra.

- Mimi Vánessa...

- Não ouviu? Quer mais? Pois aqui tem: você é tão troglodita que parece que tem um bonete.

- Um... quê?

- Bonete, homem! BONETE! Uma segunda cavidade do estômago dos animais ruminantes. Só lhe falta comer cotão, caramba. É uma verdadeira... sei lá... olhe, besta! Ainda por cima com esse barrete a tapar essas farripas oleosas... Onde estava eu com a cabeça, meu Deus?! Já viu como vem vestido? Parece a vela pequena de um barco... NEM SE ATREVA A PÔR-ME AS GADANHAS EM CIMA.

- Mimi Vánessa...

- NÃO!

- Mimi, só lhe quero dizer...

- O quê? Dizer o quê, seu bronco?

- Caiu-te a cabeleira, ó vigarista. Põe-te na rua.

Cuspiu.

- Or-di-ná-ria... Vá nessa e não venha.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Abusos sexuais, silêncios e destruição

O Tomás foi, em criança, angelicalmente bonito. Caracóis loiros, olho grande azul mar, esguio e sempre alto para a idade.

O pai, militarmente exigente, constituía, na mente infantil, o inimigo indesejado. Pouco apoio desfrutava da mãe, que entendia que o marido, tivesse ou não razão, deveria ser alvo de pedido de desculpas. Com um apurado sentido de justiça, Tomás recusava-se e deitava-se na cama, tendo, por companhia, solidão e lágrimas.

Foi assediado sexualmente a primeira vez e calou. Morando numa terra pequena, onde a família era das mais proeminentes, conhecia o agressor.

Na segunda vez, o pedófilo era amigo do pai. Naquela cabecinha magoada e confusa, pensou que o progenitor sabia e que os actos faziam parte de um acordo. Haverá maior dor para uma criança?

Continuou a silenciar.

Aos 17 anos teve uma depressão que o obrigou a medicação e terapia. Entrou em medicina e durante vários anos fez psicanálise, psicoterapia e terapia de grupo. Estudou psiquiatria de forma desenfreada e apaixonada e fez o seu caminho.

É um homem de sucesso profissional e de fracasso familiar.

Ao nível dos afectos, é inseguro e intolerante.

Depois de muito forçado, assume que nem sempre consegue ser rápido a integrar as coisas que ouve, sobretudo quando são muito pessoais. Também admite que tem dificuldades relacionais interpessoais, além de sociais a um nível restrito, e que, sem dar conta, por vezes usa o seu modo de funcionar profissional para compensar esses obstáculos. A pessoa fica submersa no profissional. Perdeu – ou nunca teve – disponibilidade para conseguir estabelecer pontes entre estas dessintonias.

“O sofrimento pessoal precoce parece que nos leva a estar mais atentos aos nossos mecanismos e aos dos outros.”, diz. Será? Não no caso dele. Lamento, Tomás!

A Marta, assediada aos quatro anos, perplexa pela incompreensão e excentricidade dos gestos, contou à mãe. A partir de então, nunca mais pôde brincar na rua sozinha. Passou a andar acompanhada pelo menos por um adulto.

Passaram mais quatro anos e foi viver para um prédio onde morava uma coleguinha de escola. A mãe continuava controladora e selectiva. Mas como bastava apanhar o elevador, deixava-a ir brincar com a Gena quase todas as tardes.

Foi abusada pelo pai da amiga. Quando o encontrava, ficava em pânico: cada vez, o invasor ia mais longe. Certa de que se tratava de alguma coisa muito má, nesta ocasião ocultou o sucedido. Foi-se afastando à força de desculpas.

Talvez um mês depois, na ida para o colégio, a Gena perguntou-lhe:

- O meu pai fez-te alguma coisa?

- Alguma coisa como? – respondeu, tentando ganhar tempo.

- Um dia, a Sofia estava lá em casa e começou aos gritos e a chorar, dizendo que o meu pai a apalpou, a obrigou a mexer-lhe em sítios esquisitos e que lhe meteu a língua dentro da boca, …

Num estranho movimento de descentração para a idade, pensou no seu próprio progenitor, o herói da sua vida, e sentiu uma dor imensa.

- Claro que não, Gena. A Sofia não fez sesta em tua casa?

- Fez.

- Então, se calhar, acordou com um pesadelo. Olha, não penses mais nisso.

Fez um processo de recalcamento.

Considerava-se estranha: começou a namorar cedo mas o toque mais íntimo que permitia resumia-se a pegarem-lhe na mão.

Aos 16 anos foi a um retiro de jovens, liderado por um psicólogo. Ele começou a escolhê-la como parceira de exercícios e mimava-a. Quanto maior a proximidade, maior a zanga contra ele. A sua melhor amiga, que a tinha acompanhado, reparou e fez com que ela falasse. Depois de seis horas de conversa, recordou-se de supetão do que lhe tinha acontecido. O elemento despoletador do desconforto e, mais tarde, da lembrança, tinha a ver com parecenças físicas assombrosas e sotaque igual.

Fez, também ela, o seu caminho.

É uma mulher de desembaraço profissional e de insucesso familiar.

Ela e o Tomás conhecem-se há vinte anos. Mas só há pouco mais de dois entraram em relação. Calma, sintónica e feliz com um fim inquieto e desordenado.

Ao nível dos afectos tem graves obstáculos em dar e receber.

Tomás dedica a sua vida a ajudar a esclarecer os outros e trabalha arduamente a favor das vítimas de abusos sexuais.

Marta é uma ouvinte genética. Não descobriu, até hoje, por que as pessoas mais improváveis lhe contam segredos resguardados. Mas continua à espera que um homem a veja e queira fazer, com ela, um crescimento emocional, sentimental e cognitivo.

Uma lenda que deixe um livro em branco e que lhe aterre no colo.