sexta-feira, 16 de abril de 2010

O poder da lógica

Sentada ao lado direito do patriarca, aguardou que o prato lhe fosse posto à frente.

- Bô, a xôpa tem uma môca.

A mãe, convidada, engoliu a sua vertente doentiamente asséptica e torceu as mãos no colo, pensando: "minha rica filha".

- Não tem nada - disse o avô. - É salsa.

- Nhão é, nhão, Bô. É uma môca.

Com a colher, o avô empurrou o insecto, definitivamente afogado em creme de cenoura, para a beira do prato.

- É salsa! Pronto, assim já não comes.

- Oh, Bô. Mas é uma môca.

- Já te disse que é salsa!

A criança ficou calada durante uns segundos. O olhar recaía, vez sim, vez não, no prato e no seu opositor.

- 'Tá bem. É xalxa mas tem perninhas...

E foi assim, com sopa, moscas e mentiras, que surgiu a assertividade.

(...para ti, Ana, que tantas vezes tens sido uma segunda mãe para mim e raramente dou o valor...)

4 comentários:

Guidinha Pinto disse...

Passei por aqui porque vi a vírgula no Murcon :).
Apesar de diferente do outro, neste conto existe assertividade graças a uma menina esperta, não a um avô teimoso e descuidado e a uma mãe «castrada».
Gostei muito.
Fique bem.

Vírgula disse...

Muito obrigada, caríssima primeira receptora! O seu gesto é de uma imensa generosidade. Espero e desejo que o contacto continue.
Um abraço grande!

Francisco disse...

Excelente alusão assertividade esse privilégio de muito poucos, na minha opinião.

Felicidades!

Vírgula disse...

Olá, Francisco, pela terceira vez :-)
Este 'post' é real e passou-se com a minha irmã em pequenina. Acho fantástico que uma criança tenha tido esta inteligência, tolerância e assertividade.
Mais uma vez a minha experiência. A idade, as circunstâncias, as dores e a reflexão têm-me feito cada vez mais assertiva.
Acredito que o Francisco tenha toda a capacidade para a atingir.
Felicidades para o seu caminho!
Outro abraço!