segunda-feira, 12 de abril de 2010

Carta aberta aos sapos…

(… em especial para os que não se revirem nela; muito provavelmente estas palavras são para eles…)

Parem! Deixem-se dessas coisas, caramba. Até me apetece bater o pé qual miúda pequena. Não há pachorra, bolas. Parecem atrasados mentais. E o pior é que gostam de o ser e pensam que não o são. Uns dão à sola e depois dizem que os afectos eram frágeis e vulneráveis. Mas o que é isto? Alguém me explica? Nem os próprios, claro – português da treta; melhor, palavras empandeiradas como quem fala com sérvios. Outros, que não aturam problemas emocionais alheios porque, neles, andam às voltas que nem cães bêbados. Outros ainda, porque não há tempo, têm uma vida muito agitada e com grandes responsabilidades sociais e, no fim, acabamos por descobrir que são impotentes e que têm um medo insano do fiasco do desempenho que nunca terão. Mas há mais: os que não deixam as mulheres porque, pobres, são esquizofrénicas, bipolares, têm unhas encravadas e não aguentariam viver sem o seu desamor ou porque a profissão, alegadamente religiosa, não lhes permite compromissos – namoros, só entre quatro paredes e no meio de grande sigilo; vimos a saber que há mais dez ou doze dilectas mas o que é isto comparado com as inconsistências do Vaticano...? –, ou os que não querem partilhar, porque não!, mas falam da separação, da mulher com cancro, da ex-namorada que lhes deu com os pés, do desemprego e da injustiça que é este mundo, da avó, das lambadas, das irmãs, da depressão, das amnésias temporárias, … Estes últimos são uns verdadeiros génios: descobriram o relacionamento unívoco.

Parem! Não se aguenta! Fogo.

Olhem, nada tenho contra a ficção – muito pelo contrário. Ler tem sido uma das minhas grandes paixões. Mas pode ser, de facto, um instrumento muito perigoso. Em especial, a literatura infantil. Nós, mulheres, crescemos a acreditar que, com um beijo, o sapo se transforma em príncipe. Ou seja, integramos que, por muito mal ou dessintónicas que as situações estejam entre duas pessoas, elas podem melhorar e que o outro se modifica por nós, lindas e irresistíveis princesas.

Pior de tudo: não nos prepara para encontrarmos um príncipe que, afinal, se revela um sapo! O mais frequente. No princípio, a sedução e a doçura e as palavras gentis. Depois, os grandes nadas: já não se levantam para cumprimentar, olham em volta antes de beijar, chamam-nos perturbadas porque lhes desejamos, em situações menos agradáveis, “boa sorte!”, dilatam o tempo entre os contactos. Até que se vão. Com explicação pouco esclarecida ou nem sequer. Ou então somos nós que, já não aguentando tanto desvairo, deslargamo-nos deles querendo clarificar o afastamento. Ah, ilusão pura e dura! Os homens, seres de Marte, só dão importância ao bidubidu: futebol, bejecas, quecas marcadas no cinto, ao seu próprio trabalho e ao seu próprio bem-estar. Qu'é lá isso, ó vénus desnorteadas e complicadas? Tristes - eles que nem sabem onde é o norte ou o sul, este ou oeste...

Ah! Permitam-me a imodéstia. Resta-me uma satisfação: tudo o que viram em mim, tudo o que ouviram de mim e tudo o que leram de mim corresponde exactamente ao que sou. O que deve ser surpreendente. Não creio que estejam habituados a honestidades, deles e dos outros.

Se ainda continuam a ler esta carta, chamo a atenção para um facto simples: não sou caso único – há muito boa gente que vive da verdade e na verdade.

Não param nunca para pensar no mal que fazem a estas mulheres? Não se importam? É uma questão de maneira de ser ou é uma questão adquirida? E se um dia lhes tocar a eles, aos sapos? Se um dia – imaginem – acreditarem no que uma mulher lhes diz e demonstra, se gostarem e se se prenderem a esse mimo e ela os abandonar sem palavra ou gesto? Será que perceberão que a vida lhes está a devolver o que têm dado e que não terão razões para se indignar com ela? Acredito que temos que ter a sabedoria suficiente para aprender e crescer com as experiências. Talvez se viverem e sentirem o que fazem viver e sentir, talvez aprendam a ser menos sapos, talvez aprendam a ser um pouquinho mais príncipes.

Deixo uma sugestão: agarrem nessa argúcia que consideram ter, vejam bem quem têm à frente e façam uma triagem. Escolham, como vítimas das palavras sem alma e da sedução de objectivo dúbio, uma mulher que seja uma rã.

Quanto às outras… Por favor, poupem-nas do vosso comportamento arbitrário. Por elas, por essas outras, caso não consigam nunca ser genuinamente civilizados, bem formados e decentes, peço-vos que não lhes liguem sequer. É que podem aumentar-lhes as fragilidades. E, apesar de tudo, não acredito que isso vos acrescente alguma coisa, ou que vos faça sentir mais másculos, ou ainda que vos torne mais realizados como predadores. Fazer mal nunca deu felicidade a ninguém.

Há atitudes que não se tomam porque nos caracterizam, porque nos definem e porque marcam o nosso caminho de forma irreparável. Acima de tudo, toda a palavra e todo o gesto negativos possuem a força e o poder de provocar uma reacção e têm um efeito de boomerang. E acabam por nos prejudicar muito mais a nós do que aos outros.

Fisicamente, tenho um grave problema de postura. Mas a coluna está cá, caros sapos: material e moralmente. E, comparando-me convosco, garanto-vos que é um privilégio pelo bem-estar que provoca, pelo facto de nos sentirmos gente.

Trazem, à nossa vida, assombro, decepção, desconfiança e tristeza.

Perceberão que vos estou a proporcionar motivos para reflectir e, reflectindo, crescer e melhorar?

Perceberão que tive o cuidado de evitar dizer o que sinto por vós?

Perceberão que o fiz por respeito? E perceberão o que isso é e porque razão esse respeito existe dentro de mim?

Perceberão que, apesar do desamparo que nos oferecem, estou a dar-vos um presente? Justamente a vós, que são eternos e irremediáveis batráquios?

Terão lido esta carta até aqui? E, se leram, compreenderão algum dia a morte lenta e intensa de uma mulher que beijou um príncipe que, de repente, se transformou num sapo?


7 comentários:

Pirolito disse...

Bolas... este post tem tanto de assertivo como de ressabiado.
Penso eu de que.
Mas o que sei eu? Sou apenas um "eterno e irremediável batráquio".

Vírgula disse...

Muito obrigada pela visita e pelo comentário. Tal como disse a outra leitora, considero-os um acto de generosidade.
Até sempre.

Francisco disse...

Que é assertivo é. Ressabiado não é um termo de que eu goste particularmente. É notória a mágoa, tristeza e, arrisco dizer, alguma irritação. Mas, não sabendo eu se me revejo ou não neste texto - preciso de pensar - considero-o um excelente processo de reflexão e de terapia, para quem escreveu e, sobretudo, para quem quiser e tiver capacidade para ler estas palavras e ensinamentos. Vou tentar, prometo! Mas não queria deixar de dar os parabéns pelo post que considero excelente.

Felicidades!

Vírgula disse...

Caro Francisco,
Também eu não gosto do termo 'ressabiado'. Mas, enfim... cada um diz o que quer e sujeitamo-nos, não é? :-)
O que o Francisco percepcionou está lá tudo e acertou na 'mouche'.
As suas palavras surpreenderam-me pela positiva. Nunca pensei lê-las de um homem. Atrevo-me a dizer que, pelo que diz, nada tem de sapo. Vejo-o como uma pessoa reflexiva, aberta e humilde. Vou mais longe: acredito que é um príncipe e príncipe manter-se-á.
Agradecimento gigante. Desejo continuar a contar com as suas visitas - isto, se lhe apetecer, claro. Para nós, é muito bom.
Abraço.

Francisco disse...

Depois desta resposta, não podia deixar de, também eu, me surpreender.

Confesso que me sinto um pouco envergonhado ao dizer que nunca pensou em ler o que escrevi de um homem. E, a propósito disso, garanto-lhe, não sou nem príncipe, nem sapo. Apenas um homem 'no caminho da vida' :)

Confesso que não sou muito destas lides. Mas aparecerei sempre que puder.

Até lá, continue. Parece-me ter muito para oferecer.

O caminho da partilha é um privilégio para os que dão e para os que recebem mas para os primeiros é sobretudo um dom.

Retribuo o abraço.

Vírgula disse...

Olá, Francisco! Bem-vindo. Os seus comentários são uma 'benesse'.
Por favor, não se sinta envergonhado. Vamos partir do princípio que tenho tido azar. ;-)
Outro abraço. (agora vou responder aos seus outros comentários nos meus 'posts'.

Vírgula disse...

Ups. Esqueci-me de fechar os parêntesis...