quinta-feira, 17 de junho de 2010

Os homens também choram

Quando eu nasci era feita de porcelana.

Dizem os especialistas da matéria, da forma mais isenta possível, que eu era um bebé lindíssimo.

Era! Porque agora já não sou um bebé…

O meu pai não pegava em mim porque tinha sempre a sensação que, se o fizesse, eu me desmanchava. Como um daqueles presentes que nós tentamos preservar religiosamente para não o danificarmos.

Um dia, com cerca de quatro ou cinco anos, fui passear com o meu progenitor. Aventureira como sempre fui, saltitava de pedra em pedra como se de montanhas se tratassem, subia às árvores para estar mais próxima do céu e escalava muros para voltar à terra numa idealização de eterno voo de criança. Paciente, humano e sereno, o meu pai assistia às minhas tropelias.

Quando, de cima de um muro, saltei para o chão, flecti os joelhos e apoiei-me em ambas as mãos levando-as ao solo. Estremeci. O meu pai percebeu imediatamente o que tinha acontecido. Como crianças que somos, quase tudo nos é desconhecido, pelo que reagimos com estranheza. Aquela desagradável sensação ainda não me tinha sido apresentada. Passaram apenas uns escassos segundos e já o meu protector estava junto à minha pobre figura a olhar para as minhas gadanhas que pareciam um autêntico paliteiro. Tinha as palmas das mãos cheias de farpas.

Fomos imediatamente para casa. Esperava-nos uma autêntica intervenção cirúrgica.

Com a pacificidade, tolerância e perseverança que o caracterizam, o meu pai começou, dócil e cuidadosamente, a retirar cada uma daquelas malditas agulhas que assolaram parte de mim. Com o desespero, entrei em histeria e comecei a gritar e a chorar desalmadamente. Olhei para o meu guardião e parei instintivamente os descontrolados lamentos: o meu pai chorava de angústia. Acalmei-me e, em pouco tempo, vi-me salva por aquela brava figura que, uma vez mais, preservara a minha integridade acima de tudo.

Percebi, pela primeira vez, que os homens também choram, que o meu pai faz parte desses homens e que, por menos que lho diga, é o melhor pai do mundo.


1 comentário:

Anónimo disse...

Lindo...

De facto para o pai vocês sempre foram frágeis.
Não lhes pegava em bebés com medo de as aleijar.
Nem sempre foi um pai presente, mas o amor nunca faltou.

Não é vergonha os homens chorarem.

São humanos e o mito do sexo forte, é mesmo mito.

Ama-o pois ele marece e sempre que possivel diz-lho.

Um beijo
Mãe