terça-feira, 22 de junho de 2010

Jorge Palma

Mil anos passaram sobre o nosso encontro

No princípio da minha vida profissional fui jornalista, durante seis anos, num vespertino.

Estava mais ligada à grande reportagem sobre assuntos sociais e culturais. Não era habitual dar contributos para a secção de espectáculos, excepto com traduções.

Um dia, o Victor, meu chefe de redacção, pediu-me para entrevistar o Jorge Palma.

Telefonei-lhe, marcámos o dia e a hora.

Devia aparecer às 10:00h. Qual!? O tempo foi passando e nada. Comecei a sentir-me irritada e até a pôr a hipótese de, quando ele chegasse, dizer que era tarde demais e que a entrevista já não seria feita.

Passava do meio-dia quando o segurança me avisou que ele ia subir.

Fui esperá-lo de garras afiadas e de cara fechada.

Vi-o subir as escadas, chegar ao pé de mim com os caracóis ainda molhados, pespegar-me dois beijos e dizer: “ai, bolas, custa-me tanto levantar de madrugada (???)”. Pegou-me no braço.

- Anda daí, vamos tomar o pequeno-almoço porque estou em jejum. Faz-me companhia.

Registei a falta do pedido de desculpas, mas, atordoada, tropecei naquela simpatia alegre e informal. E eu, que por mais vontade de comer que tivesse nunca saía da redacção, lá fui arrastada, esquecendo atrasos e azedumes.

Tagarela e cheio de humor inteligente, foi conversando e comendo.

Introduziu um tema da paixão dele na altura – a astrologia.

- Vamos tentar descobrir o signo um do outro – disse-me.

- Ah, esperto, assim não vale. Não percebo nada disso.

- És Leão!

Comecei a gostar.

- Não! Sou Peixes! – respondi com expressão irónica.

- ‘Tás a brincar!? Não és nada Peixes. Toda tu és Leão!

- Nãnãnãnãnã! Peixes!!!

- Que estranho… Hum! Agora, tu.

- Sei lá!

- Vá, tenta. Eu também não acertei.

- Ok. Gémeos.

O assombro colou-se-lhe à cara.

- Ah, já sabias!

- O quê? Acertei? Juro que não sabia.

- Então, Gémeos porquê?

- Fazes-me lembrar um amigo que é Gémeos – respondi, sincera mas com uma brutal vontade de rir.

- É isso que me lixa na astrologia. As pessoas do mesmo signo são iguais?

E continuou a desenrolar uma linha de pensamento lógico mas que me provocava mais e mais troça.

Regressámos ao jornal, situado numa das partes velhas e nobres da cidade.

Logo que entrou foi diminuindo o ritmo, até parar no início do corredor. Os caracóis oscilaram com o movimento da cabeça, olhos esbugalhados e boca aberta.

- Isto é tão giro. Parece um comboio antigo. Pedes para me tirarem uma fotografia aqui?

Chamei o Zé Alberto. Pôs as mãos nos bolsos dos jeans preparando a pose para a posteridade.

Levei-o para uma sala onde pudemos conversar com o gravador em cima do braço do sofá dele.

Falou-me dos tempos de Paris, da música que tocava no metro, da mãe, do filho, do Bob Dylan, da paixão pelo piano, da sua arte, das editoras, de política, de poesia. Passaram duas horas sem darmos por isso.

Tinha outro compromisso e demos a entrevista por terminada. Vi-o a calcorrear o corredor para a saída. De repente, virou-se.

- Olha lá, se eu me candidatasse a Presidente da República, apoiavas-me?

Dei uma gargalhada.

- Vá, diz lá. ‘Tou a falar a sério – insistiu, impaciente.

- Não tenhas a menor dúvida, Palma. Seria a primeira a assinar a lista…

Tirando o Pedro Abrunhosa, de que já falei, este é o compositor/cantor a que mais concertos tenho ido. Nunca o procurei embora a recordação seja inesquecível. Não faz parte da minha postura, de facto.

Sempre bons, os espectáculos. Lamento quando o vejo cambaleante na fala, no raciocínio, no andar. E lamento também o filho Vicente, já adulto, que toca ao seu lado, sério, formal, arrumadinho, que lhe dá abraços com doses imensas de afecto, e que lida com a adição parental.

Para a história fica a frase dele num concerto em Guimarães:

- Aqui estou eu, malta, nos tomates1 de Portugal!

Que interessa? Continuo-lhe leal. São tão poucas as pessoas que transmitem esta boa energia…

E, apesar dos voos nocturnos, teima em oferecer-nos o seu lado solar. Até mesmo quando o suor dos caracóis nos cai em cima e nos sabe a sal.

1 Não foi bem esta a palavra mas o pudor impede-me de ser fiel…

Estrela do Mar

Numa noite em que o céu tinha um brilho mais forte
em que o sono parecia disposto a não vir

Fui estender-me na praia sozinho ao relento

E ali longe do tempo acabei por dormir


Acordei com o toque suave de um beijo
E uma cara sardenta encheu-me o olhar

Ainda meio a sonhar perguntei-l
he quem era
Ela riu-se e disse baixinho: estrela d
o mar

Sou a estrela do mar

Só a ele obedeço, só ele me conhece

Só ele sabe quem sou no princípio e no fim

Só a ele sou fiel e é ele quem me protege

Quando alguém quer à força

Ser dono de mim


Não sei se era maior o desejo ou o espanto
Mas sei que por instantes deixei de pensar

Uma chama invisível incendiou-me o peito
Qualquer coisa impossível fez-me acreditar


Em silêncio trocámos segredos e abraços

Inscrevemos no espaço um novo alfabeto

Já passaram mil anos sobre o nosso encontro

Mas mil anos são poucos ou nada para a estrela do mar


4 comentários:

Anónimo disse...

Belo texto.

Devia ter seguido a profissão de jornalista. O seu jeito para escrever, a sua capacidade de descrição e a beleza das palavras não devem perder-se. Pouco oiço o Jorge Palma mas acho que esta entrevista descreve-o bem, e é pena ele às vezes seguir um caminho que deveria ser diferente, pois tem talento. Não sei se as minhas palavras são coerentes, porque neste momento estou um bocado ensonada.

Continue mana.
Abraço

Vírgula disse...

Ah! O mais coerentes possível! O Jorge Palma é muito 'boa onda'. Quanto ao resto... bom, falaremos um dia olho no olho :-). Abraço!

Julio Machado Vaz disse...

Assim não vale, eu curto o Palma :)))))).

Abraço, Júlio.

Vírgula disse...

Senhor Professor,

Em primeiro lugar, muito obrigada pela sua visita e pelo seu comentário.

Haja paciência para filhas de Eva, não é verdade? :-)) Já percebeu que tem o Céu ganho?

Eu "curto" tanto o Palma que, cada vez que o vejo, apetece-me dar-lhe colo. Aquele sorriso é tão menino, puro e apelativo...

Espero que não "curta" tanto o P. Abrunhosa... Esse já era... :-)

Afinal, foi o Professor que vi no concerto do Cohen? Pode deliciar-se com ele, aqui neste espaço.

Ah! E também sou benfiquista...

Não, não sou psiquiatra ;-)

Um abraço.