terça-feira, 11 de maio de 2010

O preço dos afectos ou a arte de afectar

Estou numa fase de terrível carência afectiva. O problema é que quando me ponho a pensar, ou melhor, a reflectir sobre isto, fico com a desagradável sensação de que ‘esta fase’ já nasceu comigo ou eu com ela.

O que é ou de que se reveste, afinal, um afecto? Para que é que ele serve senão para nos desinquietar a alma, na sua ausência?

Não me considerando eu uma pessoa de afectos, encaro-me como uma pessoa afectiva. Ou será o contrário? Conseguiremos nós ser afectivos e não demonstrar afecto ou, por outro lado, distribuir afecto como se isso fosse um acto obrigatório de quem nasce com o sentimento de dever cumprido ao esbanjar gratuitamente carinho?

Chamem-me o que quiserem mas quando alguém dá uma palmadinha nas costas de outra, ainda que sob outras formas – beijos, abraços, festinhas – por ‘peninha’ ou compaixão, não consigo encará-lo senão como uma forma dissimulada de caridade. Não estou a dizer que seja mau. Só estou a dizer que o considero pouco ou nada genuíno. Não concordo com a caridade. Não no sentido em que hoje é aplicada. Caridade soa-me, hoje em dia, a favor. Levado ao extremo, estabeleço uma metáfora visual: - tu estás carente, eu estou carente. Toma lá um beijo na boca, apaixonado e repleto de doçura, continuamos na cama e depois é cada um para seu lado, ok? Sequiosos que estamos de carinho, nem pensamos duas vezes. Ou – Eu? Beijinhos? Ele(a) não me dá porque hei-de eu dar-lhe? Era o que mais faltava! – Onde é que está a genuinidade disto?

Mas, afinal, que merda é esta? O afecto é, para mim, uma manifestação de amor, qualquer que seja a forma de que se reveste. Seja amor maternal, paternal, fraternal, espiritual. É algo que se dá intrinsecamente e que não é questionável. Algo que não exige palavras ou justificações de qualquer espécie. E não acredito nem quero acreditar que se resuma a um acto isolado. Acho que o afecto só existe e acontece verdadeiramente quando os intervenientes estão em perfeita sintonia. No fundo, ambas as partes assumem o papel de emissor e receptor numa construção contínua.

A verdade, é que chego à conclusão que, no fundo, o afecto é algo de tão puro e genuíno que temos dificuldade em dar e receber e quando acontece, nem damos por isso a não ser quando a tal sintonia entre as partes é total. E quando somos agredidos, mesmo da forma mais subtil, reagimos quase sempre com igual displicência quando muitas vezes o bramido que nos torpedeou foi, afinal, um grito de socorro. E cá andamos nós, à deriva.

O afecto é uma coisa maravilhosa quando não temos de pagar um preço por ele porque, aí, deixa de ser afecto para passar a ser mais um ‘género’ com o qual pagamos as dívidas de um contrato de promessa que nunca assinámos.

Neste momento, sinto uma vontade imensa de beijar, abraçar, afagar e olhar para aqueles que me são mais queridos. Se o farei? Talvez…

6 comentários:

Pirolito disse...

Toma lá um "coice"!
Dá cá um beijo!
:-)

Ponto de Interrogação disse...

:-)
Brigada pelo "coice" e toma lá um beijinho!

Anónimo disse...

Este foi o teu último post.Desde esta data não tens mais nada para "regurgitar" ? Acho que sim e terás de aproveitar a sensibilidade da tua escrita para transpores muita coisa. Há tantas palavras que podes dizer.O afecto de que falas não consegues (tal como eu) transmiti-lo. Mas há muitas mais coisas que podes ofertar. É bom que escrevas para qualquer pessoa que possa ler-te e compreender a tua escrita. Podemos ajudar-nos escrevendo para nós e para os outros. Que achas?
Acho que o vosso blog está muito bom e que transmite bem o que pensam e desejam. Espero que continuem. Não façam como eu que preguiçei durante quase um ano. Mas agora vou continuar sempre que possa.
Um beijo grande (especial para ti) e outro para as Boiadeiras.

Vírgula disse...

Desculpem, Mana e Ponto... Por vezes, tenho esta mania de me meter onde não sou chamada. Tem toda a razão. Suspeito que o Ponto... está um pouco encostada por eu estar a "dar comida ao filho". Acho que vou entrar em descanso... Que acha?
Beijo e abraço.

Francisco disse...

Belíssimo texto. Espero que consiga dar e receber o afecto de que tanto precisa. No fundo, é o que de mais valioso temos.

Parece que fiz um assalto ao vosso blogue, e por esse motivo peço desculpa, mas gostei do que tenho lido e ouvido, e não poderei visitá-lo com muita frequência. Por isso aproveitei.

Obrigado por estes momentos.

Ponto de Interrogação disse...

:-) Sim... E no fundo, penso que é o que todos procuramos dentro e fora de nós próprios.

Não foi um assalto, foi mesmo um investimento na nossa perspectiva. Partilho das palavras da Vírgula quando referiu ser um presente. É-o, de facto. Por isso, apareça sempre!

Ficamos à espera e obrigada NÓS!