terça-feira, 25 de maio de 2010

Cuca

Tenho um novo habitante em casa.

Há cerca de sete anos comprei uma gaiola de pé alto, com dimensões para fazer criação. Nunca foi esse o meu objectivo. Adquiri-a para abrigar um presente já com nome: um periquito albino.

Como sou uma mulher de desafios, tentei pôr-me no lugar do Light. E foi assim que lhe arranjei uma casa grande. Usufruiu-a durante apenas seis meses. Mas foi um excelente parceiro. Acompanhou-me nas férias.

Quando tinha que andar com a gaiola na rua, via as pessoas olharem com curiosidade e sorrirem. Repleta de sininhos, espelhinhos, poleiros, baloiços e outros brinquedos. Um circo.

Antes de cair no chão do seu lar, tinha estado comigo. Senti-o nervoso e com um batimento cardíaco alterado. A determinada altura, subiu, enfiou-se pescoço dentro e escondeu-se nos meus cabelos. Foi o último mimo dele.

Agonizou durante duas horas nas minhas mãos. Morreu às onze horas de uma noite de segunda-feira, véspera de feriado, com sofrimento, com as minhas palavras e as minhas lágrimas. Perdia um Amigo.

Durante duas semanas, e ao contrário do que me aconselhavam, não quis ouvir falar de animais. De repente (faz parte de mim), decidi que queria outro periquito.

Entrou o Blue. Já adulto e tamanho XL. Azul muito claro e com doses extras de penas. Quando está molengas, chamo-lhe Pai Natal. Quando dorme, penso que os anjos são assim.

Calmo, meigo, com tendência para a depressão.

Uns meses depois, o Yuri.

Amarelo, magro, inquieto, traquinas, egoísta, nervoso.

O Blue acolheu-o de imediato, num acto de grande generosidade. Tem aturado as patifarias do mano pequeno com uma bonomia invejável.

E assim temos vivido.

Sábado, fui ao quarto buscar um casaco. Passei pela sala onde está a gaiola e, como sempre, falei com eles. No segundo seguinte estavam a esvoaçar ao mesmo tempo que piavam muito alto. Vi uma coisa pequena a voar na rua.

- Que raio… Uma vespa gigante?

A coisa pequena poisou no parapeito e os meus miúdos atropelavam-se de agitação. Aproximei-me e fiquei em estado de espanto: um periquito bebé fugido. Bolinha verde-escura a olhar para os seus congéneres.

Estamos a falar de um terceiro andar…!

Não criei expectativas e pensei que ele fugiria e acabaria na boca de um gato. Abri a janela muito devagar. Manteve-se quieto. Sem me mexer, comecei a falar com ele muito baixinho e pausadamente.

Estivemos assim durante um minuto ou dois. Então, recuei lentamente. Voou para as grades da gaiola enquanto o Blue e o Yuri, completamente tontos, pareciam ter óculos de míope e ver um elefante.

Fechei a janela e apanhei-o. Abri uma das portinholas e ele saltou, de imediato, lá para dentro. Dirigiu-se para um comedouro. Contabilizei: 20 minutos enfiado nas sementes a devorá-las. Desnutrido. Não consegui perceber o sexo porque o nariz tinha uma cor entre o violeta, o rosa e o azul. Adormeceu depois de comer.

Ia acordando para continuar a matar a fome e conhecer o território com saltinhos deliciosos. Dirigia-se para um lado e lá fugiam os outros dois para o canto contrário.

Vem para a minha mão com toda a facilidade. Voa para onde quer com um grande sentido de orientação. Ao contrário do Blue e do Yuri que se atiram contra tudo o que é objecto, caindo desamparados e aturdidos.

A natureza é fantástica. Cada hora que passa vêem-se diferenças. É realmente macho. Nariz inquestionavelmente azul. Continua a comer desalmadamente mas deixou de ser bolinha.

Esticadinho, parece aquelas pessoas que, por serem pequenas e complexadas por isso, se põem em bicos de pés para dizerem ao mundo que são e estão. Tipo burro do Shrek.

Destemido, tira os outros dos lugares deles e está-se nas tintas para que o piquem. Sabe lutar pelo que quer.

Acredito que nada é por acaso e, com toda a incredulidade que esta história provoca, só posso pensar que procurou o lar dele, encontrando-o, sabe Deus a que custo.

À medida que vai ficando mais vivaço, o Blue vai sucumbindo. Passa o dia a dormir e deixou de comer. O pequenino procura-o – vê-se que gosta de estar ao pé dele mas o meu Pai Natal azul claro não está para aí virado.

Perdeu a sociabilidade ou, uma vez mais, a vontade de viver.

2 comentários:

Anónimo disse...

CUCA ? É O NOME DO NOVO HABITANTE DA GAIOLA ?
FELIZ ACONTECIMENTO. POR ALGUM MOTIVO O PERIQUITINHO ESCOLHEU O PARAPEITO DA SUA JANELA. TALVEZ OS OUTROS LHE TENHAM DITO QUE TÊM UMA MAMÃ EXTRAORDINÁRIA E UMA "TIA" QUE TAMBÉM LHE DARÁ MIMOS. QUE SE PASSA COM O BLUE? NÃO SERÃO CIÚMES? CALCULO O ENTUSIASMO COM QUE ACOLHEU O PEQUENITO.
NÃO SERÁ JÁ TEMPO DE ARRANJAR UMA COMPANHEIRA?

ABRAÇO GRANDE
MANA

Vírgula disse...

:)*. Cuca é o nome do meu miúdo mais pequeno. Foi a minha mãe que o baptizou. Só passadas 24 horas é que comecei a acreditar que ele sobrevivia. Estava completamente morto de cansaço, cheio de fome e com uma diarreia desgraçada. Prostradíssimo. Já lhe passou tudo. É um verdadeiro lutador.
Tenho tido o cuidado de dar muita atenção aos outros dois, sobretudo ao Blue. Desde que o tenho, todos os anos, normalmente no Outono, penso que ele me vai deixar: afasta-se do mundo e refugia-se nele próprio.
Não tem paciência para nada nem ninguém. Mas, quando falo com ele, olha para mim e as peninhas da cabeça andam para baixo e para cima.
Mete-me dó. O Cuca anda atrás dele - quer atenção e beijinhos. O Blue opta por uma de três atitudes: afasta-se como quem diz "não me chateies", ralha ou pica-o. Mas faz o mesmo com o Yuri.
Estou contentíssima com o meu pequenino. Mas não está a ser fácil, querida Mana. Nada mesmo. Mãe sofre...