quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Introdução dois pontos Filantropismo vs Caridade


Um destes dias, numa das minhas muitas deslocações ao Hospital de Egas Moniz como utente, e considerando a cada vez maior dificuldade em estacionar o carro dentro ou fora daquelas instalações, após 45 minutos de procura, lá estacionei num local pouco aconselhável mas que serve de parqueamento a todos os que, como eu, não têm outra alternativa.
Naquele espaço, e como impera cada vez mais, labuta um senhor já de idade e com algumas dificuldades, mas que se apressa em ajudar a encontrar e/ou arrumar os veículos. Uma “profissão liberal” não legalizada a que chamamos comummente de “arrumador de carros”. Curioso é que em alguns locais já existe efectivamente este tipo de ofício reconhecido mas aparentemente apenas e só num contexto elitista.
Adiante… Estacionei o carro e com muita vergonha saí e disse-lhe o que costumo em circunstâncias semelhantes: “peço imensa desculpa mas não tenho dinheiro nenhum.” – E não tinha.
Ele ficou a olhar para mim e respondeu com uma ironia condescendente e educada: - E que culpa tenho eu disso? – Acrescentando logo de seguida: - Desde que me deseje saúde e paz. O resto vem por acréscimo. Não se preocupe com isso.
Retorqui tentando fazer jus ao respeito e educação que os meus queridos progenitores me deram: - Sim. Eu sei. E não é isso que está em causa. Gostava de contribuir com pouco que fosse. Mas fazemos assim: eu vou buscar o meu pai e depois dou-lhe qualquer coisa se ainda aqui estiver. – soou mal mas era, na altura, a única coisa que conseguia dizer.
Voltou a dizer-me para não me preocupar. Nos dez minutos que passaram contou-me que trabalhou, em tempos, no Instituto de Medicina Tropical (no parqueamento). Um dia apanhou uma senhora que, depois de estacionar, foi ter com ele, deu-lhe vinte cêntimos e disse-lhe, com os olhos marejados de lágrimas: - o senhor desculpe-me mas este é o único dinheiro que tenho aqui e em casa.
A reacção, para um ser humano que se preze, foi a de retribuir literalmente na mesma moeda. Com as lágrimas a percorrer-lhe a face, ele levou as mãos aos bolsos das calças, tirou dois euros e meio e deu-lhos: - tome. Aceite para comer qualquer coisa no hospital. - A senhora hesitou mas, a muito custo e com a determinação patente naquele gesto, aceitou.
Ponto um: o que é o filantropismo? Segundo o dicionário é o sistema dos filantropos. E o que é um filantropo? De acordo com a mesma fonte que ou aquele que trata de melhorar a situação dos homens. O estatuto ou título de filantropo é, hoje em dia, atribuído a uma classe de, salvo raras excepções, gente “nobre” que dá o que pode porque efectivamente tem para dar. Ou seja, hoje em dia só os ricos são intitulados de filantropos. Só os ricos contribuem para “melhorar a situação dos homens”.
Ponto dois: o que é a caridade? Aqui o dicionário é mais pródigo em atribuição de conceitos:
1.    Boa disposição do ânimo para com todas as criaturas;
2.    Qualquer manifestação dessa disposição;
3.    Pena que se sente pelos sofrimentos alheios;
4.    Esmola;
5.    [Irónico]  Dano, ofensa.
Estas imagens são tradicional e frequentemente atribuídas aos que pouco ou nada têm e dão tudo. No entanto nunca pensamos nisto. Eu pelo menos não pensava até que o meu Tico e Teco tiveram um tête-à-tête. Pensei: - caraças! Mas será que até para se contribuir para a melhoria significativa do mundo os ricos é que têm mais poder?
Por exemplo, eu quero comprar ração, brinquedos, roupa, e outros bens de primeira necessidade para contribuir para diversas causas humanitárias e animais. Não posso porque sou tesa que nem um carapau. Quando dou o que não tenho estou a fazer caridade.
Pois bem. Inverto os papéis e daqui não arredo pé: quem dá o pouco que tem de forma responsável, está cá para melhor servir o mundo e para carimbar o seu contributo numa sociedade e vivências mais justas e equitativas; quem dá um pouco do muito que tem é, salvo as devidas excepções, alguém que, por um lado alimenta o imenso desequilíbrio entre as diversas classes sociais e, por outro, contribui somente através da “pena que sente pelos sofrimentos alheios” traduzida na sua egocêntrica esmola.
Posto isto, quem são, afinal, os filantropos e os caridosos?
Quando saí do hospital dei um euro ao “trabalhador de campo”, que ali está todos os dias para ajudar a arrumar e guardar os nossos bens.

2 comentários:

Anónimo disse...


O MEU COMENTÁRIO FI-LO NA MINHA PÁGINA DO FACEBOOK, ONDE PODES CONSULTÁ-LO.

LAMENTO QUE DE ENTRE TODOS OS TEUS "AMIGOS" QUE TIVERAM ACESSO AOS TEUS DOIS TEXTOS, NENHUM FAÇA COMENTÁRIOS A INCENTIVAR-TE OU CRITICAR-TE. TAMBÉM, TU NÃO ESCREVES POR ISSO, NÃO É? MAS SABE SEMPRE BEM A OPINIÃO DE OUTRAS PESSOAS MESMO QUE ESSA OPINIÃO SEJA CRITICA. BOM, ELES LÁ SABEM PORQUÊ.

UM BEIJO GRANDE E... CONTINUA.

MÃE


Vírgula disse...

Querida miúda, tenho comentado os teus textos em privado mas considero que a Nunu tem toda a razão. E aqui estou eu para te dizer que amo cada vez mais ler-te. Estás a dar "voz" ao teu dom para a escrita e dissertação.

Relativamente ao post, quero apenas dizer que considero que os verdadeiros filantropos são os que dão o que não têm e lhes faz falta - têm o verdadeiro sentido da solidariedade e do bem comum.

Muitas vezes, quem tem dinheiro, contibui para causas, para fugir aos impostos e/ou "comprar um lugar no Céu...". Isto, sim, é pejorativo e degradante.

Excelente, ?. Aguardamos mais, com a maior urgência possível, porque as tuas palavras são como luz para as nossas almas.

Abraço!