terça-feira, 6 de julho de 2010

Pai

Fazes hoje 84 anos e estás como sempre – 1,83m de homem bonito.

Essa é uma característica que sempre me envaideceu, confesso.

Mas são os teus valores e qualidades que me assombram e encantam. Querendo o anonimato, não o conseguiste. Fisicamente sempre te impuseste, profissionalmente deste cartas. Podias ter ascendido mais, podias ser rico mas a tua integridade não o deixou. Se fosses diferente, agora, estaria de férias nas Caraíbas à tua custa. Mas agradeço-te por ter que as passar em Lisboa.

Foste, és e serás uma referência para mim, para a Ana e para toda a gente que tem conseguido ver-te.

A tua noção de justiça, de generosidade, de altruísmo, de amizade, de lealdade, de união familiar, o teu bom coração e a tua inteligência emocional transformam-te, aos meus olhos e coração, numa pessoa única.

Lembro-me de ser pequenina e de me explicares, com muita calma e carinho, a importância de pedir desculpa e de sentir o perdão; de ser bebé, fazer bolinhas com os pêlos do cobertor e enfiá-las nariz acima, a Mãe a querer levar-me para o hospital e tu a puxá-las com uma pinça; de resolveres o meu problema com o tamanho dos sapatos de corda, pondo dois dos teus lenços e, ala, que lá fomos nós e ultrapassámos toda a gente – de menina triste transformaste-me em ufana, de mão dada comigo; de me levares ao barbeiro, às escondidas, porque gostavas de me ver de cabelo curto; da tua presença e carinho quando, aos cinco anos, tive a miocardite e o teu cabelo embranqueceu em duas semanas de dor e preocupação porque te disseram que o meu final estava muito perto – deste-me um boneco, um bambi, que guardei até cair de podre; de adormecer na vossa cama e, vestido com robe bordeaux, pegares-me ao colo para me deitares. Agarrava-me a ti como um porto seguro que sempre foste. Sinto o calor e o cheiro. E as convocatórias para conversas formais, normalmente quando arranjava namorado? Punham-me apreensiva – eras mais inteligente do que eu. Sabia, de antemão, que era uma dialéctica perdida.

És um homem de liberdade. O 25 de Abril de 1974 foi uma data feliz para ti. No entanto, o momento do PREC não foi fácil. Mesmo sabendo que eras vigiado, todos os quinze dias, ao fim-de-semana, fazias um périplo pelas prisões para apoiares os teus amigos banqueiros. Este gesto valeu-te três levantamentos pormenorizados à tua vida para te sanearem. Nada a fazer. Impoluto.

Peco por defeito. Tanta coisa para contar. Dou-te apenas um pequenino conjunto de recordações. A única razão por que lamento, neste momento, não ter podido ter um filho tem a ver com o facto de não ser possível perpetuar o teu nome e os teus genes – o meu sonho é que fosse igual ao Avô. Um pouquinho menos resmungão. Mas, até isto, gerimos à nossa maneira – com picardia que acaba, muitas vezes, em risota ou em propostas tuas de pactos de não agressão.

Trazes em ti, se calhar sem o saber, toda a minha admiração, respeito, orgulho e afecto. Para sempre, num processo interminável.

Sim, porque foste tu, meu querido Pai, que me ensinaste que não existe morte nem fim.


4 comentários:

Anónimo disse...

Neste momento choro e não sei muito bem o que dizer. É tudo verdade, e talvez peque por pouco, mas um pai como o nosso não é fácil de encontrar. Tudo nos ensinou, através da sua vivência.

Obrigada mana por tudo!

Vírgula disse...

O Pai é uma dádiva da vida e nem sempre assim o valorizo.

Obrigada, querida Ana, pelo teu comentário. Considero que este 'post' é das duas!

Abraço grande e sempre presente!

Anónimo disse...

Melhor homenagem não poderia esperar-se da filha que é.

É pena " nós " raramente conseguirmos dizer o que nos vai na alma.E a escrita é para a pessoa que sabe utilizá-la uma dádiva. Nas palavras escritas , conseguimos dizer sempre mais e mais verdade.

E o pai já leu o que a filha pensa e sente ?

Nunca é tarde para dizer aos entes queridos quanto os amamos e admiramos.( Quando é caso disso ).

Não me ocorre dizer mais nada neste momento.

Continue a amá-lo e diga-lho sempre que possa, enquanto está convosco.

Um beijo grande
Noémia

Vírgula disse...

Muito obrigada, querida Amiga/Mana, pelo comentário.

Melhor filha gostaria de ser. E, mimalhas como sou, digo tudo o que sinto :-).

Abraço grande!