Estou a passar por uma das muitas
crises existenciais que como seres humanos vivenciamos. Arrisco até dizer que
se trata de uma questão filosófica.
Afinal o que é que nós, como
seres humanos, pretendemos atingir verdadeiramente? Sucesso? Poder? Liquidez financeira?
Uma casa; um carro? Descendência? Amor? Atenção? Paz? PAZ! Este é um conceito
que é geralmente definido como um estado de calma ou tranquilidade. Uma
ausência de perturbações ou agitação. Deriva do latim Pacem que significa Absentia
Belli – ausência de violência ou
guerra.
Primeira questão: a minha eterna
ou vasta gama de conceitos. Violência
pode significar tanta coisa ou a mesma coisa mas em contextos diferentes. Há
vidas, existências, vivências violentas. Violentas de carência; de angústia; de
tristeza e afins; ou apenas violentas na mais crua acepção da palavra. O mesmo
posso dizer do conceito de guerra:
as batalhas que travamos diariamente num panorama por vezes abstracto, outras definido
pelos nossos problemas e condicionantes criadas - quiça – pela violência diversa
a que estamos sujeitos. No fundo, talvez não seja errado dizer que é sobretudo
connosco que estamos em guerra e violência permanentes.
O que eu acho é que, independentemente
de tudo o que pensamos ou sabemos procurar, há algo que, no fim da estrada,
ultrapassados inúmeros obstáculos e tatuadas na pele, no sangue e na alma
cicatrizes da experiência que é viver, cansados desejamos apenas uma coisa: a
pacificação do nosso eu perante o mundo e nós próprios.
Segunda questão: porque é que o
fazemos? Porquê? Porque é que passamos por tanto para encontrar algo que,
afinal, está dentro de nós?
Ultimamente insisto na teoria ou
constatação - (eu e os conceitos) – de que o que nos estraga como seres humanos
é a única característica que defendemos orgulhosamente distinguir-nos de todos
os outros seres: a racionalidade. Pois cá para mim, e perdoem-me a fraseologia,
mas a racionalidade é uma grandecíssima merda! É o que nos faz sofrer. Não experimentem
isto em casa mas na vossa fértil imaginação construam este quadro: atropelem um
homem e um cão e verão qual se queixará mais, qual se debaterá mais para
sobreviver apenas e só com as suas próprias capacidades; qual será o ser que se
resigna e o que aceita. A resignação tem implícito um sofrimento calado e submisso.
A aceitação é um estado de aprendizagem aliada ao mais puro e natural dos instintos:
aquele que a racionalidade nos roubou.
Terceira e última questão cuja
resposta ando à procura: porque é que precisamos de nos pacificar se nascemos
puros e genuínos? Não deveria a nossa existência basear-se apenas nos mais
altos valores, princípios e ideais que sustentam o conceito universal da
condição humana? Já alguma vez pensaram que se a Eva não se tem permitido
seduzir, ainda por cima por uma serpente, nunca teria comido a porra da maçã,
analogia curiosa para a racionalidade de todos os tempos, nós – os seus
descendentes – seríamos muitíssimo mais felizes? Estúpidos, mas felizes! Ou,
melhor dizendo, inteligentes, irracionais e felizes! Neste caso somos apenas
inteligentes mas a racionalidade provoca uma monção geral seguida de
curto-circuitos dignos de quebra-cabeças difíceis de solucionar. Perdemos tempo
a pôr as ideias no lugar porque a maldita da racionalidade nos massacra e nos
convence a termos pena de nós próprios como se nada mais existisse.
Acredito, por isso, que o
processo de pacificação passa por um desvinculo a esse sentimento amoral, que
nos rouba de nós próprios e que nos manipula a ponto de sentirmos que somos
incapazes de viver sem ele.
Concebo que as mais difíceis
vicissitudes da vida nos despertam para isso e que a paz pela qual tanto ansiamos
sem sabermos porquê, visa valorizarmos o que é verdadeiramente de primordial
importância.
Só assim sou capaz de compreender
o sofrimento a que todos estamos sujeitos em determinada(s) fase(s) da vida.
Ele prepara-nos para a única coisa inevitável: a morte ou como queiram
chamar-lhe. Acredito que alguém que durante este processo não consegue
encontrar a paz até ao “fim” é porque nunca viveu.
A minha mais recente experiência
leva-me a acreditar que a única forma de lidar com o sofrimento, a tristeza, a
angústia, a violência, a guerra, a expropriação de nós próprios, é através
desse processo de pacificação quase inatingível mas, ainda assim, possível. Não
quero com isto dizer que não nos zanguemos ou exasperemos. Apenas que, flamejadas
essas cicatrizes, aceitemos que a vida em si é um caminho árduo mas que carrega
consigo o vínculo de um ciclo constante e renovador.
Como as ondas do mar que vão e vêm e tornam a ir, a
nossa existência consubstancia uma mudança, limpeza e reciclagem permanentes
que, no fim, nos relegam para um único caminho: a Paz da nossa essência.
1 comentário:
Lindo !... Este comentário é mais uma demonstração da tua sensibilidade. A pacificação de que falas é de facto quase inatingivel, pois isso pressupõe o desligamento e a desistencia de muita coisa material. É quase como, julgo eu, na minha ignorancia, aderir à religião tibetana e viver como vivem os monges do Tibete. Na sociedade em que estamos inseridos, será isso possivel? Julgo que não, pois isso não está enraizado em nós. Teriamos de morrer e voltar a nascer para podermos começar do zero.
Bendita sejas por pensares assim. Talvez para ti seja mais fácil a pacificação.
Será ???
Um beijo grande
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