quinta-feira, 17 de maio de 2012

Há vida na minha casa


Senti-me escolhida por alguma razão. Crenças, a que alguns dão o nome de “toques”.

Sem respeitar o protocolo, não tocou à campainha nem entrou pela porta. Foi directamente para o parapeito onde, por detrás da janela, viu uma gaiola com dois congéneres. O que, para mim, era definitivamente macho, com a mudança de cor da cera do nariz, passou a ser definitivamente fêmea.

O Yuri apaixonou-se por ela. Despeitada pela indiferença do Blue, tentava meter-se com ele. Empreendimentos frustrados porque o retorno era um pio rouco e zangado ou, mais frequentemente, picadas agressivas.

A minha bolinha azul clara, de coração bondoso e feitio afável, que acolhera o Yuri como um filho perdido, desligou-se, isolou-se e entrou noutra dimensão.

Durante cerca de um ano, brincaram, beijaram-se, coçaram-se, deram comida um ao outro, cuidaram-se. Estou em crer que a presença serena, firme e comportada do patriarca os encavacava de se relacionarem mais intimamente, se bem que ele não estivesse nem aí.

O meu Blue morreu.

Foi então que o Yuri começou a não parar quieto, dando um excelente anúncio sobre disfunções sexuais – como se nasce para o sexo após seis anos de abstinência por motivos desconhecidos ou simplesmente por falta de fêmea.

Aqui para nós, a Cuca também é uma boa safada – vai lá, vai.

Perdi a conta aos ovos que pôs mas descobri que uma das missões dela consiste em trazer vida à minha casa. Os esforços deram, até agora, três periquitos, sendo que um deles é igual à mãe.

Não, não. Não vou nessa, não. Já não arrisco. Sei lá se são machos ou fêmeas. Aguardo que a cor da cera estabilize.

A Cuca é uma mãe muito vigilante, carinhosa e disponível, até que a as crias saem do ninho. A partir de então, chaqun governa-se.

O Yuri fica mais tem-te, não caias e prolonga o tempo de atenção mas rapidamente se dispersa com o rabo da Cuca.

O ninho nem sequer é retirado. Desde que o coloquei na gaiola, mantém-se. A actividade estonteante daqueles dois faz aparecer e multiplicar ovos.

O Yuri já viveu bem mais de metade da vida dele. Se o seu vigor fosse público, estou certa de que os aditos sexuais humanos pareceriam extraterrestres: verdes de raiva e inveja, espumando-se, bufando, dizendo mal do azul e da indústria farmacêutica.

Ah, pois é, cada um tem o que merece… 

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