O último cigarro do dia é saboreado à janela do meu quarto.
A obstruir a linha do horizonte, vários prédios baixos e uma igreja sofrida – o terramoto de 1755 só não venceu a capela-mor, o arco do cruzeiro e parte das paredes do corpo principal.
Deito-lhe sempre um olhar carinhoso. Foi nela que me quis casar.
Monumento nacional a provar que os “80-60-80” só são medida ideal para os que não sabem ver.
Vénus, o planeta feminino, coquete e apressado, expõe-se para ser admirado.
Apenas uma ou duas estrelas. Em caso de sorte ou de boa vontade, cerca de meia dúzia.
Por vezes, a Lua ainda se encontra daquele lado. Quero-a Cheia. Fascina-me e apetece-me tocá-la.
The Man of the Moon, meio triste, meio amuado, meio amargurado, faz-me lembrar uma personagem masculina animada de Tim Burton. Observo-a até me doerem os olhos e, invariavelmente, sorrio. Deslumbrante e misteriosa.
É o meu momento de reflexão após dia de trabalho intenso, de preocupações constantes e de decisões numa área transversal a qualquer hospital.
Memórias, revisões, dúvidas, respostas ou assim-assim. Alturas há em que consigo afastar pensamentos e a tensão vai-me abandonando aos poucos. Tão mais perto do que sou. Há alguém que consiga serenar-nos mais do que nós próprios?
Embora morando em Lisboa, o local é calmo. Cheiro e alago-me de silêncio nocturno.
Já entraram e saíram tantas conversas em mim e de mim que estou esgotada delas. Não podendo libertar-me aguardo, expectante, pela hora da quietude.
Passo para a cama e para outras histórias, lidas e saboreadas. Não quero interrupções - só me descontinuam e fragmentam.
Sei que amanhã é outro dia de abismos inesperados e ruidosos.
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